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segunda-feira, 10 de março de 2008

Ê, Vida de cão...

Texto enviado por Daniel Jorge, obrigada pela colaboração.

Aceitar um animal dentro de casa exige mudanças mais profundas do que se pode imaginar.

A filosofia de vida para um solteiro organizado compulsivo se resume numa frase: “Antes só do que desarrumado”. Egoísta à primeira vista, sim, mas funcional. É cômodo morar sozinho, manter tudo arrumado no lugar, mesmo depois das interferências insistentes da diarista uma vez por semana. Ela limpa e mexe, você remexe e suspira de satisfação. Pode parecer loucura, mas é comum. A rotina fica segura, ninguém cobra satisfação, é o verdadeiro paraíso dentro de casa. Isso, claro, até a vida resolver que é hora de mudar.

Num belo dia, eu me encontro num pet shop com um amigo que foi levar seu cachorro para tomar banho. Minha paixão por animais vem desde criança, é genuína, sempre quis ter um bicho de estimação. E fica difícil não se encantar por filhotes quando se está rodeado deles. Ainda mais se a dona do local puxa assunto e descreve um cãozinho da raça lhasa apso, tão requisitado por moradores de apartamentos como eu, que já tem 7 meses, passou da idade de ser adotado e continua ali, abandonado. Ela insiste, diz que o valor de compra é do tamanho do meu bolso e me convence a conhecê-lo. Eu faço afagos e falo elogios, ele se mantém sério e me olha uma única vez: “Esse sou eu. Se quiser, me leve”, parece dizer. Bem antipático, não? Sei lá por que razão, decido por impulso que se trata de atitude e personalidade e resolvo levar (espera Freddy, papai precisa escrever agora. Vai pegar a bolinha, vai).

Junto, vem o pacote de praxe: os inevitáveis xixis iniciais por toda a casa, o que descarta de cara a presença de tapetes e já modifica a decoração que tanto prezo; a onipresença de pêlos até nos lugares mais improváveis, sem contar no próprio ar; a necessidade dentária do cãozinho de morder tudo o que encontrar pela frente, principalmente aquele móvel xodó, mesmo eu ensinando e depois repetindo aos berros: “Sai daííí!!!”; a curiosidade incansável em fuçar tudo e sempre. Uma verdadeira sombra ambulante. E não esquecendo as particularidades de cada raça: no caso de um lhasa, o gosto peculiar por lamber partes do corpo do dono, em especial os pés, por um período “breve” de dez minutos na média (chega de lamber, Freddy!). Sem contar o sentimento de culpa recorrente quando é preciso deixá-lo sozinho, ou quando ele pede para você brincar e a hora ou minha paciência não está apropriada. Ou ainda quando ele fica parado à sua frente, sem piscar, vendo você comer algo que não pode ser dado para ele. Isso me faz sentir um monstro!

A primeira coisa que cansa é ter que trocar os jornais sujos no mínimo uma vez por dia; logo a torcida é para que o cachorro pare de fazer as necessidades em casa e prefira a rua. Mas o arrependimento vem rapidinho quando ele decide sair, só que impreterivelmente às 6 horas da manhã. Bons tempos em que eu dormia 8 horas. Depois, se tenta acreditar que, quando ele ficar adulto, todas as manias irão desaparecer. Mas aí vem a fase de agarrar sexualmente almofadas, a própria caminha ou, objeto de desejo-mor, a minha perna. E, quanto mais adulto, maior a cobrança. É como ter um filho sem ter experimentado a parte boa do fazer um. E eu, acredite, sempre descartei a possibilidade de um rebento. O cachorro vira a cara quando não ganha alguma coisa, faz birra demarcando território naquele edredom que custou os olhos da cara, decreta greve de fome se não estou presente, não vem brincar quando arrumo um tempinho ou ignora um brinquedo novo que demorei pra encontrar, entre outras coisas (espera, Freddy! Estou acabando!). Sem contar a cena recorrente em que ele se joga no chão e parece estar indo para o corredor da morte quando é dia de tomar banho ou visitar o veterinário, obrigação quinzenal sem escapatória e que esvazia minha carteira.

Casa do avesso, com brinquedos por todos os lados, responsabilidade perante outro ser, escovação diária de pêlos tentando não se engasgar. Tudo isso considerando que meu pet só tem 1 ano de vida. A pergunta óbvia que fica é: por que então comprar um cão? Comprar, não sei, acho que deve ser coisa do destino. Ter, entretanto, já é fácil defender. Não há nada que pague ser recebido com pulos e rabinho abanando quando chego em casa, os momentos de contemplação ao vê-lo dormindo tranquilamente de barriga para cima sabendo que está seguro, ou ele latindo de repente para a porta a fim de me proteger das pessoas que estão do lado de fora. Saber que alguém se importa mais comigo do que consigo mesmo, e pede no fundo tão pouco em troca. Descobrir que antes eu estava numa prisão de manias veladas e a chegada desse quatro-patas peludo me trouxe a liberdade.

(Pronto, Freddy, papai acabou. Pega a bolinha, pega!)




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