Texto enviado por Hugo Leal (poeta e escritor), obrigada pela colaboração.
Neste Natal, meu presente atrasou um pouco. Enquanto todos brindavam Santa Klaus, eu, absolutamente só, levado por um impulso irresistível, alfanje nas mãos, ainda descia as escadarias do inferno até o porão para buscá-lo.
Voltei com ele, rosto radiante, roupa branca salpicada pelo enxofre, ostentando orgulhosamente a dádiva de Deus para mim, seu filho: a cabeça decepada de um dos vários demônios que me assombram.
Depois, a lavei cuidadosamente e, paramentado como um mago cabalista, na ponta dos pés, a prendi com segurança, pompa e circunstância no pináculo da árvore da vida, armada, com todas suas sefirotes, em substituição ao convencional pinheiro na sala de jantar.
Agora, no recinto vazio de uma festa que já foi, saúdo, brindando com água de bolinhas, a doce e momentânea paz de não precisar e nem esperar mais nada.
Aliviado pela ausência de expectativas, e olhando o inusitado enfeite que ornamentava a árvore, pude dizer, num sopro-desabafo: este demônio, decapitado com presteza, nunca mais perturbará minha existência.
Isso quer dizer, em suma, que nunca mais vou engolir silenciosamente, como fiz já tantas vezes, o que tinha a dizer por que temia de alguma forma mostrar ao mundo, na armadura que vestia - imaginário cavaleiro -, pontos claros de corrosão e de derrota.
Porque este demônio, particularmente este, intitulado Pai do Egocentrismo, é um especialista em confundir sábios e fortes, escondendo sua essência de profunda insegurança nas trevas quase absolutas do medo e da inverdade, disfarçadas em sussurros cobertos de máscaras, a uma visão superficial perfeitas, de retidão e probidade.
Caçá-lo não foi fácil.
Tive que descobrir dentro de mim, no baú da minha torpeza, um passaporte válido para alcançá-lo em sua morada, aquele território onde tudo é válido desde que não permita vivenciar o novo, cujo preço, alto demais para a mesquinharia encapuzada, só fica ao alcance dos que procuram, no firmamento onde passeia o Paraíso, uma maneira de manter firme o baluarte roto deste amor que, muito além do afeto entre dois seres, está presente e move, fluída e ritmicamente, a história do planeta democraticamente, fazendo-se luz para dinossauros, flores, homens, mulheres, mosquitos e baratas.
Em seguida fui encontrá-lo, certo de espantá-lo, em seu próprio campo de batalha: o âmago do Ego, banqueiro das trapaças, e o fiz com um zero de fichas a jogar, débitos de milhares de jornadas e um vácuo planejado na mente, vazio de ilusões e de sonhos, carregando a lâmina curva da morte sobre a longa mortalha dos fracassos.
Mais que guerreiro, fui assim um temerário, e, talvez até por isso, foi possível derrotá-lo. Um golpe firme paralisou seu olhar surpreso, o fazendo, até a morte, um ser sem fé.
Sem a não-fé dele, estou agora livre. As mágoas que causei, e seus retornos, já não dizem quase nada para mim que, pensando amar, varei séculos mentindo, seguindo a voz do demônio que matei como se fosse a minha, muda até em alôs e olás.
Calado o medo, chegou a vez das esperanças. Ou seja, a vida toda, agora sem as fronteiras regidas pelo fardo infernizado da agonia, substituídas por sandálias semigastas no caminho e um horizonte que, embora não tão limpo, indica aos meus pés qual a trilha a palmilhar.
O meu desejo de Natal? Simples. Tão apenas uma paz grata para quem amei de alguma forma, mergulhado em lençóis ou na distância de um aceno, e mais demônios enfeitando, com suas cabeças já então inofensivas, a Árvore do ano que vem, com a dor permutada, consciente e integralmente, com a força da alegria expandindo sua vida por todos os momentos.
E amigos, muitos amigos de verdade, para brilharem como faróis nas trevas, quando forem lá, no inferno, capturar demônios para construir, com a melhora de si próprios, uma certeza e um sorriso se estendendo sobre os dias.
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