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domingo, 13 de junho de 2010

Tuareg

Texto de José Araujo, obrigada pela colaboração.

Num lugar legendário, onde a terra é seca, onde o vento sopra sobre um mundo de areias e pedras, onde o sol ardente força o homem a levar uma silenciosa e discreta existência, é lá, que iremos conhecer a estória de Aziz, o Tuareg. Seu povo nômade vive a mais de dois mil anos no imenso deserto do Saara. Um lugar místico, cheio de paisagens diferentes, que escondem em dunas ou rochedos ardentes, pequenos oásis que mais se parecem com pedaços de um paraíso perdido. Este meio ambiente, onde a vida real, os sonhos, os mistérios e o misticismo se misturam ao lugar, tem moldado ao longo dos séculos o povo Tuareg, também chamado de Molâthemin (Povo dos véus).

Um povo que diferentemente de outras nações do Oriente Médio, não obriga as mulheres a cobrirem o rosto, mas sim os homens, mas o fazem para evitar que os maus espíritos se apoderem deles entrando pela boca e pelo nariz. Na cultura Tuareg, os chefes de cada grupo sempre foram mulheres, pois são elas que têm o dom da intuição e o poder de falar com os espíritos da natureza. Para os Tuaregs, o conceito de masculinidade se mede pelo comportamento rude de um guerreiro, ele não pode ser sensível, muito menos expressar os seus sentimentos.

Há tempos atrás, no Vale de Tidene, nascia Aziz, filho da Amenokal (suprema chefe) Tin Hinan e sua chegada foi saudada com honrarias por todos os componentes da tribo. Desde bebe, foi entregue ao mais bravo dos guerreiros para ser treinado como todo homem deve ser.

O tempo não para, os dias e noites se tornam pássaros, se juntam em bandos, voam para longe, não voltam mais.

Aziz cresceu, já era quase adulto e de vez em quando, fechava os olhos e vivia o ontem, galopando com seu pai num cavalo alazão, e ele, segurava-o firmemente pela cintura, enquanto Aziz abria os braços e parecia estar voando, como se os Deuses tivessem de repente, lhe dado este poder. Viver o Ontem era algo que ele gostava de fazer de vez em quando, porque era algo que lhe trazia paz e esperança de que um dia tudo pudesse mudar em sua vida. Que ele realmente pudesse ser livre para ser ele mesmo, sem ter que fingir e reprimir seus sentimentos. Por ordens de Tin Hinan sua mãe, o bravo guerreiro que o acompanhava por todo canto, tinha que ensinar Aziz desde pequeno o que era ser homem em sua nação, mas para isto, ele teve que aprender a lutar e matar seu semelhante. Mas esta imposição, bem no fundo de seu coração, Aziz nunca aceitou.

O tempo como sempre, não para, os dias e noites se tornam pássaros, se juntam em bandos, voam para longe, não voltam mais.

Ele se tornou um adulto, cada vez mais belo, tanto que muitos de sua tribo, diziam ao pé da orelha uns dos outros, que ele não tinha feições masculinas, nunca seria um guerreiro, seria a vergonha de sua nação. Os homens geralmente cobriam o rosto com o véu quando chegavam à idade adulta numa cerimônia de iniciação, e finalmente, chegou a vez de Aziz usar o seu, mas algo estranho aconteceu. No grande dia, Tin Hinam colocou o véu em Aziz cobrindo-lhe a face e o levou para fora da tenda. Era preciso que todos os membros da tribo pudessem ver que seu filho já era um adulto. Que já poderia atravessar com as caravanas, o imenso deserto do Saara. Quando eles apareceram na saída da tenda, não houve homem, mulher ou criança, que não levasse as mãos à boca em sinal de espanto. A expressão de seus olhos, a única coisa plenamente visível agora, era de um anjo, não de um guerreiro bravo e feroz. Até então, Tin Hinan não havia prestado atenção em seu filho, pois o posto de chefe suprema da tribo lhe tomava todo o tempo, e agora, diante daqueles olhos cheios de paz e bondade, ela se sentiu pequena. Foi como se de um momento para o outro, ela tivesse descoberto que havia na vida de um homem, há muito mais do que simples coragem e bravura.

Que dentro dos corações dos homens também existem sentimentos e emoções.

Após alguns momentos de silêncio, sua mãe anunciou à tribo que seu filho, daquele dia em diante, iria fazer parte do grupo que vigiava o acampamento à noite. Maior honra não poderia haver para um homem. Não houve um só membro que não aclamasse Aziz pela grande honra que estava recebendo. Porém, dentro do coração de Aziz havia um vazio enorme. Uma dor imensa que o atormentava a cada momento, pois usar o véu para cobrir seu rosto, era sinal de que estava fadado a reprimir seus sentimentos e fingir uma coisa que não era para todo o sempre.

E o tempo se passou, os dias e noites se tornaram pássaros, se juntaram em bandos, voaram para longe e não voltaram mais.

Dia após dia, Aziz ficava cada vez mais triste. A expressão que havia em seus olhos, incomodava a todos os seus companheiros e era tanto o incomodo causado, que eles resolveram se afastar dele, pois achavam que ele era uma ameaça à reputação masculina de todos os homens da tribo. Aziz aos poucos viu se só. Não havia mais ninguém para lhe fazer companhia. Numa noite silenciosa, deitado sobre uma pedra, no topo da montanha, ele olhava para o céu e as estrelas que magicamente, estavam iluminados por uma Lua gigantesca que parecia preencher todo o firmamento. Sua voz estava silenciada, mas seu coração gritava por socorro. Ele queria que os Deuses lhe mostrassem o caminho a seguir, o caminho da salvação, pois para Aziz, aquilo não era vida, era uma prisão, onde ele estava sendo reprimido e oprimido ao mesmo tempo. Pelos costumes de sua gente, literalmente ele teve seu direito de ser negado em nome da tradição. O que mais lhe doía, era que sua mãe Tin Hinan, a quem ele tanto amava, também concordava com aquela regra injusta e desumana a que ele estava sendo obrigado a aceitar. Ele fechou os olhos por alguns instantes tentando ouvir o som do silêncio que o rodeava, e foi então, que de repente, ele ouviu uma voz firme e suave ao mesmo tempo, dizendo ao pé de seu ouvido...

-Aziz, lembre-se de que o que faz do deserto um lugar mágico, é que nele, em algum lugar, há sempre um poço de água escondido de onde se pode beber a essência da vida. Você é um poço escondido no deserto de amor em que vive seu povo. Um poço de onde um dia, eles beberão a sabedoria de que o amor tem mais força do que a guerra. Que a vida, é o maior bem que existe neste mundo e que ela é sagrada. Eles aprenderão com você, que a vida é muito mais do que eles imaginam. Que é preciso aceitar as diferenças, porque cada um de nós é único e que é preciso viver e deixar viver.

Da mesma forma que a voz surgiu, ela se foi. Aziz levantou-se decidido. Seu coração batia calmo e compassado enquanto caminhava em direção à sua aldeia. Seu caminho foi iluminado a cada passo pela luz divina que sempre o acompanhou. Daquele instante em diante, ele compreendeu a verdadeira importância de ser ele mesmo De demonstrar todos seus sentimentos. Ao entrar na aldeia, Aziz tirou o véu de seu rosto. Ele caminhou de rosto livre, com o vento da noite soprando em seus cabelos e tocando sua face. Ele carregava em seu rosto um sorriso que nunca mais deixou de acompanhá-lo por toda a sua vida. Finalmente ele estava feliz.

Como sempre, o tempo não para, os dias e noites se transformam em pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.

O povo de sua aldeia, desde a manhã daquele dia que ficou para trás a muito e muito tempo, passou a enxergar Aziz com outros olhos, não estranharam a ausência do véu em seu rosto, apenas enxergavam seu sorriso sincero, sem maldade e a bondade em seu olhar. Viam nele o que havia escondido dentro deles mesmos por séculos a fio. A necessidade desesperada, de viver em paz, de serem autênticos e aceitar as diferenças entre seus semelhantes. Sem guerras, sem violências, e assim foi.

É certo que o tempo não para, os dias e noites se transformam em pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.

As mulheres Tuaregs, ao longo dos tempos, continuaram sendo as lideres de seus grupos, mas no Vale de Tidene, os homens de hoje, ainda respeitam as tradições usando seus véus para se proteger dos maus espíritos que os rondam no deserto, mas vivem em paz consigo mesmos e são felizes porque podem ser eles mesmos.

Eles sabem apreciar a paz e beleza de uma flor, quando milagrosamente a encontram pousada sobre uma pedra pontuda e afiada, à beira de um poço traiçoeiro de areias movediças, no meio do deserto infinito, do ódio, do rancor e do preconceito...

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