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domingo, 21 de março de 2010

CONFESSO: EU NÃO SOU EU

Texto enviado pelo escritor e poeta, Hugo Leal para o Mês da Mulher, obrigada pela colaboração.

Antes que descubram, já confesso: eu não sou eu. Não estudei, não me formei, não escrevi, não me casei, não trabalhei, não viajei, não passeei, não existi.

Foi tudo um engano cósmico (microcósmico, é claro, pois não mereço mais que isso), uma ilusão de ótica criada pela minha imensa carência e necessidade de atenção. A verdade sobre mim? Desculpem, mas esqueci completamente.

Menti tanto para ser alguém do mundo que minha memória, sem estímulos reais, só se lembra de minha existência imaginária. Deu trabalho para lhe dar certa concretude.

Falsifiquei certificados de conclusão de curso, a carteirinha do Instituto de Física, sem contar, é claro, a identidade de vários amigos que convenci a terem os nomes que têm e a um dia estudarem comigo, auxiliando em minhas teses de mestrado e doutorado, etc.

Mas o difícil mesmo foi criar, assim do nada, os amores da minha vida.

Para não ter que entrar em detalhes ou comentários quanto a sua qualidade, optei pela quantidade e amei – fantasiosamente, é vero – dezenas de mulheres que, hoje, torço até para que existam, premiando com seu charme e talento outros homens, estes verdadeiros, não abstratos como eu, que possam lhes dar, em troca, a felicidade que minha irrealidade não permitiu terem comigo.

Quem sou eu? Eis aí uma pergunta que, de fato, não ouso responder. Fazê-lo implicaria, por hábito que se tornou mecânico, proferir mais alguma mentira de acréscimo ao monte de lorotas que já sou. E nem importa que não haja uma resposta, pois tanto faz ser, neste meu strip-tease ético, um “avatar ascensionado” ou uma mosca esvoaçando no cocô do cavalo do bandido.

Porque, independente do que digam os que quiserem a verdade sobre mim, esta estará no fato que resulta de minha essência, e não da foto de um registro digital qualquer, escaneado para pecês ávidos de saber o que nada quer dizer, a não ser para quem disse – maneira talvez de se sentir seguro em seus medos, ou vender um bonequinho de si, que impressione mais a sociedade do que o modelo original.

E eu serei independente do retrato que pintarem de mim, aquilo que não sou, mas com tanto esforço que por isso mesmo é, seja lá o que for isso, o que posso ser, mentiroso como sou ou - talvez, quem sabe? – o que me força a dependência meta-química que tenho de me cobrir com o imaginário e tentar fazer que os outros sonhem, em mim, as riquezas que não possuo nem possuirei.

É claro que outros mentirosos como eu, que ainda acreditam que há verdades e mentiras, buscarão colocar uma mentira sua sempre como uma verdade que não tenho. O que fazer? O hospício é aberto a todos, e aqui todos são e não são o que são ou fingem ser.

Por isso é que, antes que descubram, já confesso: eu não sou eu, minha nave está em Varginha, adoro blugh-blegh e só canto inhec-inhec.

Hugo Leal

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